Silêncio Mudo
Chove, aqui e em mim.
Caminho em passos breves e lentos, a areia fere as plantas dos pés até sangrar. Aproximo-me da orla e baixo os braços defronte do Mar. Leva-me. LEVA-ME. Não consigo lutar contra esta vastidão de sal e água, que se movimenta em suaves declínios da Lua. Não consigo respirar a um compasso que não seja o teu. Sinto-me encarcerada num ashram de velhas dúvidas, todas vestidas de branco. Morri, e nem sequer me foi dada a hipótese de sonhar. Sou viúva de alguém que não conheci. Inspiro fundo, à espera de reter algum fotão perfumado de ti.
Nasci num dia fora do tempo. Não pertenço aqui. Vivo depressa demais, sonho depressa demais, quero ser depressa demais: fico espartilhada num espaço de vazio e solidão em que só existem fragmentos de razão e onde só oiço a minha voz. Há tanta gente, tanto por descobrir...."No dia em que acontecer, saberás.". És a única voz que consigo escutar.
Para cima. Mais para cima. Cada vez mais para cima. O Mar agita-se e chicoteia o penhasco, que parece ceder. Há uma lição para aprender, um caminho a percorrer. Há que libertar amarras, há que ser livre, há que evitar olhar para trás. E eu que só queria ser amada...
Mas quando uma mulher está de pé num penhasco, prestes a saltar para o mar escuro como vinho, os tempos misturam-se. É tudo o mesmo barco no mesmo oceano, e o oceano chama-se tempo. Um tempo que se dilata e onde os seres se encontram e se fundem, sem limites de corpo ou de espaço.
Escorregam os pés, o coração sente bater. Por um momento, balanço nas dúvidas de um salto. Os mortos acenam do fundo do corredor iluminado por tochas. Os meus avós, os meus amigos, o meu amor. Estou a ser levada à minha infância de aromas de cozinha e pastéis de massa tenra, ao meu núcleo natal.
Descobri-te por acaso, apaixonei-me e perdi-te com o Amanhecer. Encontro-me à beira da eternidade e não sei o que fazer.
Viro costas, cai um anel e um pedaço de mar.
1 Comments:
Quando a solidão nos preenche, é porque temos algo a aprender com ela. Logo que alcaçamos esse conhecimento o "O tal de Cavaleiro Andante" surge no horizonte e então...
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