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Location: Portugal

Tuesday, December 12, 2006

Na Sombra e No Vento

"Os livros são espelhos: só se vê neles o que a pessoa tem dentro."
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"Eu tinha crescido na convicção de que aquela lenta procissão do pós-guerra, num mundo de quietude, miséria e rancores velados, era tão natural como a água da torneira, e que aquela tristeza muda que sangrava pelas paredes da cidade ferida era o verdadeiro rosto da sua alma. Uma das armadilhas da infância é que não é preciso compreender para sentir. Na altura em que a razão é capaz de compreender o sucedido, as feridas do coração já são demasiado profundas.(...) No meu mundo, a morte era uma mão anónima e incompreensível, um vendedor a domicílio que levava mães, mendigos ou vizinhos nonagenários como se se tratasse de uma lotaria do inferno. A ideia de que a morte pudesse caminhar ao meu lado, com rosto humano e coração envenenado de ódio, envergando uniforme ou gabardina, que fizesse bicha no cinema, risse nos bares ou levasse as crianças a passear no parque de manhã e à tarde fizesse desaparecer alguém, numa vala comum sem nome nem ceremonial, não me entrava na cabeça. Naqueles anos roubados, o fim da infância, como os combóios espanhóis, chegava quando chegava."
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"Quase me parecia vê-lo, sorridente, seguro de si, a contemplar um futuro tão amplo e luminoso como aquela avenida, e por um instante pensei que não havia ali mais fantasmas que os da ausência e da perda, e que aquela luz que me sorria era de empréstimo e só valia enquanto a pudesse segurar com o olhar, segundo a segundo."
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"O destino costuma estar ao virar da esquina: como se fosse um gatuno, uma rameira ou um vendedor de lotaria - as suas três encarnações mais batidas. Mas o que não faz é visitas ao domicílio. É preciso ir atrás dele."
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"-- Acho que nada acontece por acaso, sabes? Que, no fundo, as coisas têm o seu plano secreto, embora nós não o entendamos. (...) Tudo faz parte de qualquer coisa que não conseguimos perceber, mas que nos possui."
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"Só sei que aquelas duas semanas (...) foram o único momento da minha vida em que senti por uma vez que era eu mesma, em que compreendi com aquela absurda clareza das coisas inexplicáveis (...).
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A Sombra Do Vento -- Carlos Ruiz Zafón

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