Alvôr

Foi numa pedra da praia que hoje te deixei ir. Permiti que o mineral retivesse a memória mais íntima de mim, que a gravasse em átomos de tristeza e solidão, que abraçasse o vazio último das minhas dúvidas. Fechei os olhos e deixei cair o abismo, os cavalos de crinas ao vento, o odor do teu corpo cansado. Formou-se então um fio de metal que tudo drenou para dentro da condensação da Matéria e nessa altura libertei amarras -- todas as coisas e sentimentos a que me apeguei -- e quis apagar-te de mim. Agora já não eras eu, eras a pedra que te carregava de mim, e com um gesto brusco soube dizer "Não". Mas negar para quê? A Deusa encarrega-se de mostrar o caminho. Afinal, a praia está repleta de pedras. E não há pedras que se afundem no amor. Atirei a pedra ao mar mas ela veio bater-me nos dedos dos pés.
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